Confesso que tenho andado um pouco desorientado. As conversas com alguns dos tripulantes e passageiros da Nave dos Loucos têm-me posto a pensar em coisas que nunca me tinham ocorrido. De forma que, anteontem, estava eu a ver as gaivotas, quando me ocorreu ir falar com a Otília, que é a cabeleireira da Nave dos Loucos, para tirar uma dúvida que me andava a atormentar. Encontrei-a na sauna, com uma toalha a embrulhar a cabeça, e logo lhe confessei: Ó Otília, há dias alguém me perguntou qual era a minha missão espiritual? O problema é que nem sequer percebi o que é que essa pessoa queria dizer! Podes ajudar-me?
Otília, a cabeleireira, de férias na Riviera Maia!
Aí, a Otília, passando o dedo pelas sobrancelhas, para escorrer o suor acumulado, disse-me assim: Sabes, neste momento, algumas pessoas acham que a sua missão espiritual tem de passar por trabalhar para o Espírito. No entanto, o objectivo não deveria ser trabalhar «para» o Espírito, mas sim trabalhar «com» o Espírito. Se trabalhas para o Espírito decerto terás a sensação de seres uma espécie de assalariado do céu. Ou seja, se a tua participação deixar de ser precisa serás descartado. Trabalhar com o Espírito, porém, irá transmitir-te a sensação de fazeres parte do «quadro», se é que entendes a analogia. Ou seja, passas a ser um elemento do Grupo de Intervenção Interdimensional. Colaboras incarnado no planeta, enquanto outros se mantêm onde estão, fazendo o trabalho específico do plano onde se encontram. O facto de reconheceres que trabalhas «com» o Espírito, tem a grande vantagem de, pouco a pouco, te desabituares de olhar para cima. Enquanto olhares para o céu, crendo que o Omnipotente está lá em cima, não podes deixar de te considerar um insignificante! Os que trabalham para o Espírito dizem: «Eu faço porque Deus (ou “eles”) disse para eu fazer». À primeira vista parece que cumprem ordens. Mas aqueles que já adquiriram a consciência de que fazem parte Grupo de Intervenção Interdimensional, ou seja, que trabalham com o Espírito, expressam-se de forma diferente. Dizem, por exemplo: «Eu faço porque a minha intuição assim o diz». Se estás interessado em crescer verdadeiramente, é provável que venhas a passar por uma fase em que te parece que trabalhas para o Espírito. É quase inevitável. Mas, um dia, certamente sentirás que o teu estatuto passou a ser diferente. Poderás então garantir que deixaste de trabalhar «para» e passaste a trabalhar «com»!
Acho que nunca o calor da sauna me incomodou tanto. Comecei a sentir tonturas e a ter dificuldade em respirar. O suor, a descer pelos flancos, fazia-me umas cócegas muito irritantes. Desculpando-me de que precisava de um duche frio, fiz um adeus apressado à Otília e saí daquele cubículo asfixiante. Não me interessava que estivesse mau tempo; o que eu queria era apanhar ar.