Uma semana depois da conversa com Monet, o dentista, voltou-me a vontade de continuar a pesquisar as razões da minha infelicidade. Para isso contribuiu o ter encontrado Worwick, uma das dactilógrafas da Nave dos Loucos. Estava ela a limpar, com limpa-vidros, o ecrã do seu computador quando lhe perguntei: “Olha lá, tu és da família da Dionne?”. E ela: “Não, porquê?” E eu: “Por nada. O que eu queria mesmo saber era se o despertar da mente para o caminho espiritual conduz a transformações emocionais?” Ela, deitando o lenço de papel, todo sujo, para o caixote do lixo, respondeu:
Worwick, com o namorado.
Segundo me parece, essas transformações são inevitáveis. Contudo, talvez tu gostasses de expandir a consciência continuando na mesma, sem alterar a estrutura dos padrões de comportamento. Será que queres deixar de ser a Bela Adormecida, mas não te dispões a receberes o beijo do Príncipe, que te despertará? O Príncipe da história é o Grande Espírito, que sempre esteve contigo. Mas ele só «dá o beijo» nos adormecidos que estão receptivos, pois não pode acordar quem não quer acordar. Meu amigo, tu não acordas porque alguém gostaria que tu acordasses. Cada um tem o seu próprio momento. E não vale a pena forçar. Contudo, a intenção de acordar e começar a ver as coisas de outra maneira implica autotransformação. Esse processo renovador, porém, ao contrário do que muitos ingénuos pensam (a espiritualidade está cheia deles!) pode ser longo e desagradável. Atenta no que eu te digo: não acredites se te disserem que recebes a chave da Sala da Paz, do Amor e da Abundância, através de uma “iniciação” de vinte minutos.
Não percebi grande coisa do discurso da dactilógrafa Worwick, mas apeteceu-me dizer-lhe que ela não precisava de dizer as coisas daquela maneira. Quem a ouvisse poderia pensar que certos “instrutores espirituais” iludiam os incautos com promessas aliciantes. Seria realmente assim?